Rosivaldo Casant

NO PILOTO AUTOMÁTICO
A tecnologia sempre foi fantástica em todas as épocas, fornecendo ao homem soluções para os problemas mais simples, como montar um tacape amarrando uma pedra a um pedaço de madeira para enfrentar o inimigo ou usá-lo na caça para prover de alimento

NO PILOTO AUTOMÁTICO
A tecnologia sempre foi fantástica em todas as épocas, fornecendo ao homem soluções para os problemas mais simples, como montar um tacape amarrando uma pedra a um pedaço de madeira para enfrentar o inimigo ou usá-lo na caça para prover de alimento o seu grupo. Pra quem pensa que avanço tecnológico é só a grande quantidade de aplicativos para pedir alimento sem sair de casa, ou acionar um Uber para se locomover de um ponto ao outro da cidade e para uma infinidade de outras possibilidades, boas ou, infelizmente, ruins (pessoas ruins, como sabemos, existem desde os tempos das cavernas). Todas as ferramentas criadas ao longo da história da humanidade foram e continuam a ser aperfeiçoadas para mais conforto no trabalho, na casa, nas viagens e para quase tudo na vida.
Eu sou da geração Baby Boomers, os nascidos entre 1946 e 1964, período de grande aumento populacional; e, tendo vivenciado a Guerra Fria, o movimento hippie e ascensão da televisão, desenvolvemos uma forte ética, espírito empreendedor e senso de responsabilidade. Influenciamos a economia, a cultura e a política em diversos países. Netos e filhos da geração Grandiosa e geração Silenciosa, bisnetos da geração Perdida, antecedendo a geração X, a Y, a Z e a Alpha, resta-me esperar o fim, o Ômega, pois manter-se tecnologicamente atualizado não é tarefa para amador.
E ainda pensando em tecnologia, avanço tecnológica e atualização, veio-me à memória um pequeno vídeo enviado por whatsapp com a cena de um caça Eurofighter a quase dois mil e quinhentos quilômetros por hora, que desacelera e voa ao lado de um Airbus A380 a oitocentos quilômetros por hora, trinta mil pés de altitude. O piloto do caça pergunta se o voo esta monótono, ao que o piloto do Airbus não entende. Repentinamente o caça sobe em alta velocidade, mergulha, faz várias manobras acrobáticas e emparelha novamente com a outra aeronave. O piloto do caça pergunta o que o outro acha de tudo aquilo. O piloto do avião de passageiros diz que achou impressionante, mas convida o colega do caça a ver a sua manobra. Nada parece acontecer. O Airbus segue em velocidade tranquila por cinco minutos. Seu piloto pergunta o que o colega tinha achado, ao que ele responde perguntando o que havia feito. O piloto comercial ri e responde que levantou de sua poltrona esticou as pernas, foi ao banheiro no fundo do avião, tomou um café, comeu um pãozinho de canela e fez uma reserva de três noites num hotel de cinco estrelas, que era pago pelo empregador dele. A lição é a de que quando somos jovens a velocidade e a adrenalina são ótimas companhias; à medida que a gente envelhece e fica mais sábio, o conforto e a paz são muito mais importantes. O conceito é chamado em inglês de S.O.S, “slower, older, smarter” - mais lento, mais velho, mais inteligente. A tecnologia ajuda, mas a sabedoria determina os momentos em que devemos utilizar o piloto automático.
A expressão importada da aviação já vem sendo usada há muitas décadas e se refere a coisas que fazemos sem pensar, pois já as automatizamos. São muitos os casos de fazer coisas estando no automático. Ainda ontem, um amigo contou que, como em todos os dias, pegou duas xícaras, uma para ele e outra para a mulher, um copo de água e abriu um envelope com suplemento alimentar para ser adicionado à água; virou-se para a companheira para servir-lhe o leite e pegou o copo para beber seu energético, mas estranhou que não tivesse a coloração de todas as manhãs. Olhou várias vezes o copo, viu que o envelope estava vazio. Não entendeu. Até olhar para sua própria xícara e perceber que o produto havia sido despejado nela. Atenta à história do amigo, minha esposa lembrou-se da vez que chegou de volta do trabalho e encontrou a caixa de leite fora da geladeira. Guardava a certeza de que a havia posto dentro. Deu uma leve balançada na caixa e pensou que pudesse aproveitar num outro momento para alguma receita e a levou ao refrigerador. Admirou-se ao ver que numa das prateleiras estava o vaso com uma orquídea que costumava enfeitar a mesa da cozinha. Essas coisas acontecem mesmo no automático.
Alguém, já sentindo um formigamento, uma coceira nos neurônios, uma câimbra na língua, talvez esteja pensando: não é possível que sendo esse cronista tão atrapalhado e conhecido por inúmeras gafes não apresente algum de seus malfeitos. Pois bem, aí vai. Há alguns anos eu cheguei ao estacionamento de um hipermercado na Praia Grande, saí do carro e, atendendo ao pedido de minha esposa, abri uma das portas traseiras para pegar algumas sacolas para irmos às compras. Creio que ficamos cerca de umas duas horas e ao retornarmos para guardar as compras, vimos nosso carro cercado por dois seguranças do estabelecimento. Perguntamos se havia algum problema e eles se afastaram um do outro para que percebêssemos que a porta traseira, do lado do motorista, estava aberta uns trinta centímetros. Aí me dei conta de que eu havia esquecido de conferir se fechara a porta ou não, depois de entregar as sacolas a minha esposa. Nada desaparecera do carro. Muita sorte para uma ação automática!
Precisamos revisar os nossos protocolos de atitudes nas diversas atuações da vida, pois podemos ser traídos pelo piloto automático. Quando pitorescas as aventuras, tudo bem! Mas alguma coisa pode “dar ruim”, quando se trata de fazer ou esquecer de fazer algo da rotina. Talvez tenhamos que pensar na utilização de alguns sensores, em alguns carros já disponíveis, para que nenhuma fatalidade nos surpreenda. Melhor será o piloto automático nos permitir levantar da poltrona, ir até ao banheiro, tomar um café com pão de canela e fazer uma reserva num hotel cinco estrelas com tudo pago pelo nosso empregador.
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